24.5.12

Carta Aberta ao Cidadão


Estimado leitor/consumidor,

Obrigado pela sua colaboração. Tem-me sido imensamente útil desde que, legítimamente, alguém conseguiu degolar o rei de França. A partir desse dia, pelo menos nesse país, todos os cidadãos passaram a ser iguais perante a lei. Cessaram os religiosismos fanáticos e a nobreza ociosa.

Tem-me sido útil, caro consumidor, por ser tão livre e tão feliz. Pela casa descomunal, pelo carro veloz, pelos seios maiores, pelo emprego (ainda que precário), pelo ar (ainda que condicionado), pela água cristalina (ainda que engarrafada) e pelas paisagens naturais únicas (ainda que já só estejam disponíveis em óculos 3D). No caso de não contribuir para a felicidade, o seu país fa-lo-á por si. Nem que, para mantê-lo feliz, tenhamos de penhorar alguns bens que lhe são fúteis e o seu governo democrático perca a soberania.

Se sentir alguma cólera temos medicamentos, viagens e psicólogos para si, sob condições únicas de financiamento. Não adianta produzir: na China farão por si. Não adianta protestar: os jornais são imparciais e são financiados por nós. Não adianta manifestar-se:  temos para si uma rede social, tão rica em aplicações, quizzes e grupos proactivos que V. não conseguirá focar-se NUMA causa pela qual sonhar ou lutar. Também não adianta, claro está, exaltar-nos em cartas como esta, escrever nos jornais ou usar a liberdade de imprensa pois o nosso poder não tem rosto.

A falta de emprego e o facto de V. andar a consumir pouco preocupa-nos. Mas, por favor, não deixe de nos ficar a dever.

18.5.12

Manual de etiqueta em manifestações

Prefácio

Fiquei deprimido quando liguei a televisão e vi pessoas a manifestarem-se contra bancos espanhóis falidos. Estavam um pouco por toda a Europa (também falida), tomando as ruas das cidades. Acampam, colam-se às ruas e lá permanecem durante meses.

Que fique bem claro: não tenho nada contra o ar livre. Não faltam, por este mundo fora, lugares bucólicos ou rockeiros a pedir uma tenda. Aliás, para delícia dos marxistas, o sol e a clorofila são das poucas coisas que, quando nascem, são para todos. Como tal, é bom que usufruemos da natureza, pelo menos enquanto não taxarem em 150 euros o simples acto de  caminhar na Serra do Gerês. Ora, sendo (ainda) livres para o fazer, o que farão tantos e tão talentosos jovens válidos acampando nas Puertas del Sol, sob um calor irrespirável e um pungente cheiro de churros ou fritos similares?


Introdução

À vista desarmada, o transeunte julgará que as multidões indignadas gladiam-se pelas mais nobres causas. De facto, as condições ambientais deviam dissuadir o cidadão menos convicto na sua presença prolongada. Pelo menos foi o que eu pensei, até me imiscuir em manifestações lisboetas, por mera curiosidade. Eis se não quando reparei que a atitude dos indivíduos que formavam a mole humana: para além de ser mole, pouco ou nada variava. Punho em riste, olhar de esguelha e canções e ladainhas cegamente repetidas até à exaustão.

- Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não.

Não vou sequer questionar a cultura gráfica dos cartazes. Alguém que estuda Design de Comunicação estará com mais à vontade para o fazer. Aquilo que realmente me faz confusão é a falta de sentido de oportunidade, de criatividade e de sex appeal destas frases. E, pior de tudo, questiono se a maioria das frases das manifestações terá algum alcance no futuro. Será que estes indignados vão conseguir um emprego por se manifestarem?

Ter uma causa pela qual lutar demonstra bom senso (e boa educação) da parte do manifestante. Mas, talvez por falta de bom senso, ainda não consegui vislumbrar uma única causa pela qual o movimento dos Indignados se bata. Não será de todo a precariedade laboral, porque essa não conta. É que não basta ir para a rua pedir mordomias, se não exigirmos aquilo que essas mordomias implicam. Caso o contrário, a manifestação arrisca-se sériamente a transformar-se num queixume.


As regras

- Negar um activismo à Homer Simpson: ir para a praça com um cartaz onde se escreve apenas "Mayor sucks".

- No caso de o presidente da câmara não prestar realmente, o manifestante deverá escreve-lo em letras bem maiúsculas, mas também deve justificar essa afirmação, de preferência com factos reais e realmente comprometedores.

- A difamação é muito bem vinda, desde que não ofenda as origens da pessoa visada. Estamos fartos de meias-palavras perfeitamente amorfas e vivemos num país onde a cultura de responsabilidade é bastante parca. Se algum responsável público faz asneira, deverá ter a cabeça a prémio. Eu apoiaria o seguinte cartaz:

"Mário Lino a tribunal, hipotecou o país por 50 anos"

- Não, nada de ladainhas. Ou, pelo menos, reduzi-las ao mínimo. Montem antes um palco, instalem o microfone e dêm voz a quem quiser fazer um discurso emocionado.

- As panelas oferecidas pelo major de Gondomar, os almoços à borla nos comícios ou as canetas oferecidas nas campanhas eleitorais podem ser tantadoras, mas devemos prescindir de quaisquer bujigangas que nos apareçam pela frente. Para além de comprometerem a pureza dos ideais, fazer das coisas à borla motivo de adesão é algo altamente foleiro.

- Alguma emoção e sensibilidade é importante. Uma sensibilidade crítica. Há que respeitar certamente as opiniões dissonantes e ser ecológico: gostar muito de flores, plantas, ciganos ou deputados...

- Marcar a diferença, numa atitude inconformista de não identificação total com a multidão, para prevenir contágios ideológicos do grande público. É que, como dizia Charles Chaplin, "amo o público, mas não o admiro. Como indivíduos, sim. Mas, como multidão, não passa de um monstro sem cabeça."

- Visão de futuro e de longo prazo. O século XX, com as suas conquistas, não é o fim da linha e não nos faltam desafios encantadores.

- Pôr de lado questões individuais, por mais prementes que sejam. O manifestante até pode estar nas tintas para o Estado da Nação, o bem comum ou o progresso da humanidade, pelo menos enquanto isso não comprometer o seu conforto. Como tal, tem de haver um esforço para transformar as causas individuais em grandes causas. Por exemplo, em vez de escrever um cartaz difamando o patrão, deve-se questionar o patronato. Não é o patrão que não presta, é o patronato. Proletários, unam-se!

13.5.12

A letter to Portugal



Dear Portugal,
I have been told that you are not Greece. If you read the newspapers, most of your politicians are desperately trying to convince the markets that you can borrow some money, as debt in your country would eventually increase so that you were able to pay off salaries. In fact, here is no big deal in avoiding bankruptcy since any argument could be used. However I cannot feel relaxed with the news. By saying you are not like us, your governors are completely ignoring the original purpose of the European Union: the creation of a common development and a sense of community. Accusations should cease if you would like to avoid a tense environment in which there could be second class European citizens.
But none of these tabloids about us worries us as the feeling that we may not be alone in our difficult situation. We are both nations with a bright past, whatever it happened in antiquity or in the time of the discoveries. Together, we did more for the of western civilization than all the other countries combined: we began the priceless legacy of philosophy as you widened European horizons through the five continents, so "that seas unite and never separate", just like Pessoa wrote in one of the most beautiful poems we have ever read.
Even so, the weight of a distant past will not be enough to save our future. Your governors should look forward before establishing comparisons to Greece because in a nearby future, you will be able to loose your rights and be discriminated in the international scene, just like us. So here comes our advice:
- Anarchy is not a solution. You will be tempted not to pay bus tickets or motorway tolls but that will not work. Neither future will be bright for you if you use violent ways of protest.
- Know your rights. List the things you would like to change in your future, share ideas with your neighbors, unite and then fight for it.
- Consider paying your off your debt, unlike us. However, a debt audit would be required, so as to find out which part of the debt is morally accepted. Some African countries did this a few decades ago, with stunning results.
We hope you will be able to find your paths in the future. But if bad luck strikes you, just count on our solidarity.

yours sincerely,
Greece