Há uns dias,
durante o meu lanche aconteceu-me apanhar um programa no canal Odisseia que me
pareceu interessante. Não é o meu tipo de programa predilecto, gosto daqueles
que têm magníficos planos da vida animal, música bem escolhida e um narrador
com voz bem colocada, mas como não tinha muito apetite nem tempo fiquei a ver.
Já tinha apanhado um programa no estilo, embora nunca tenha visto um completo. Trata-se
de uma série de estudos antropológicos feitos por uma mulher ocidental que
durante um mês vai viver para tribos isoladas em África. É bastante fantasioso
uma vez que a antropóloga, suponho que seja essa a sua profissão, insiste em
tingir a pele do tom dos autóctones mas sem nunca alterar a tinta de cabelo, de
loiro desbotado para negro. É ideal para lanches de dez minutos.
Desta vez
apanhei um trecho em que ela comentava o sentimento de comunidade e união
partilhado pelas mulheres da tribo africana em estudo. Deduzi que fossem
poligâmicos e que estas mulheres fossem todas casadas com o mesmo homem. A
narradora falava de como esta situação inicialmente a chocara, tanto mais que
mal tinha chegado lhe quiseram arranjar marido, mas que agora compreendia
melhor. Parece que mal as raparigas se tornam núbeis são casadas e rapidamente
têm muitos filhos para criar. A sua vida gira em torno da manutenção da casa,
da cozinha e dos filhos, ajudando-se umas às outras sem brigas ou disputas.
Este facto admirou muito a narradora até ter compreendido que, de facto, elas
não se sentiam vazias nem tinham qualquer tipo de necessidade de afirmação. Ela
comentava que tinha entendido que estas mulheres, que vivem em total comunidade
e cujas necessidades não vão além daquelas que são “naturais”, sabiam que a
harmonia do seu dia-a-dia dependia dumas e doutras e, por isso, não perturbavam
a ordem com futilidades.
Simultaneamente
aparecia uma mulher, digo-o como expressão porque julgo que a rapariga não
teria mais do que dezassete anos, ela comentava que não compreendia porque é
que a Narradora, sendo uma mulher florida e com idade, não era casada e não
tinha filhos. Esta mulher considerava a ocidental infeliz por estar demasiado
preocupada com as acções. Explicava que ela queria perceber todos os costumes e
acções da tribo e replicá-los na perfeição mas que não era capaz de sentir como
elas. Sendo a indígena uma mulher de acção, logo ali explicou o plano que
congeminara para tentar explicar isto à narradora: uma prima estava prestes a
dar à luz, quando a criança nascesse levariam a ocidental a visitá-la.
Dito a feito,
ainda vi como a ocidental ficou embasbacada com o recém-nascido e perguntava ao
orgulhoso pai de oitenta e quatro anos se achava o filho mais parecido com ele
ou com a mulher. No dia seguinte a Narradora estava alterada e dizia que aquela
visita mudara a sua perspectiva de ver as coisas. Compreendera finalmente que
aquelas mulheres eram felizes por estarem completas, por não preencherem as
vidas delas com preocupações artificiais e necessidades fúteis. Tomara,
inclusive, uma resolução: ia ter filhos! Aparentemente a sua irmã estava
grávida, algures num país dito civilizado, e a narradora estava convencida de
que seria muito bom para elas se pudessem criar os filhos juntas e criar uma
comunidade como aquela que ela via ali, algures em África.
Não continuei
a ver o programa, o meu lanche tinha acabado. Mas fiquei a pensar sobre isto.
Não estaremos nós, os filhos da civilização ocidental, livres, iguais, ricos, a
enganarmo-nos para preencher o vazio que estes adjectivos causam? Seria de
supor que a igualdade e livre acesso aos bens de consumo, que a liberdade de
acção e uma educação cuidada deveria fez de nós seres mais felizes e completos
do que aqueles povos que em tempos escravizámos, por nos serem
inferiores? Será que estes direitos talvez nos sufoquem mais do que impelem e,
por eles, tenhamos necessidades que não são as verdadeiras Necessidades?
Fiquei
curioso…