As
palavras são algo de traiçoeiro. Não que elas próprias congeminem dolos ou nos
enganem com sentidos dúbios! As palavras são algo de traiçoeiro pela importância
que lhes damos. Dependemos delas para nos expressarmos. Quem não diz que está
cansado, ou que está dorido? Mas a verdade é que nem sempre as palavras nos
ajudam.
No
nosso quotidiano as palavras são algo de útil. Com três nomes: Comida Prato
Mesa, conseguíamos transmitir a ideia de que a comida foi servida. Felizmente,
como todas as coisas úteis criadas pelo Homem, podemos embelezar o nosso
discurso e dizer: A comida foi servida no prato de Limoges, na mesa da sala de
Jantar. Há até quem, com alguma arte e engenho, consiga transmitir algo de extremamente
valioso: pensamentos, mas não creio incluir-me nesse grupo. Apesar disto
atrevo-me a dizer que há situações em que nenhuma palavra pois pode salvar. Expressar
o desejo de beijar a nossa amada nunca será tão eficaz como fazê-lo. No entanto
o poder das palavras é tal que muitos caem nessa tentação, criando assim a
ideia de que as palavras podem substituir as acções e, pior!, que as palavras
resolvem tudo.
Não
é verdade! Quando sentimos a dor em nós, e não me refiro exclusivamente à dor física,
não é falando sobre ela que passa. Substituir por palavras algo que nos enche a
alma de forma avassaladora apenas distrai e ajuda os outros a compadecer-se de
nós. Mas como é possível arranjar palavras para confortar um pai que perdeu o
filho? Como partilhar com outros o nosso amor por alguém? São estas as
situações em que as palavras nada podem. Como posso eu sentir verdadeiramente
se me distraio a descrevê-lo a todos os que me rodeiam? Como descrever algo de
que fujo? É impossível. Diz-se que as palavras são vento. Mas o vendo, quando
se espalha demasiado, perde a força e torna-se numa brisa suave. E como
descrever uma tempestade recorrendo apenas à suave brisa que nos aquece as
faces?
As
palavras nada podem contra a força imensa do que nos move, são pálidos quadros
feitos para exibição num ambiente acomodado. No entanto muitos quadros há que
conseguem pôr os nossos corações a palpitar e movem milhões. É esta a força das
palavras, é nisto que são traiçoeiras. As palavras são traiçoeiras, revestem-se
de uma importância que não têm e tentam tornar-se incontestáveis.
É perante isto que o silêncio ganha
significado, pela assustadora presença do indiscritível.