Fiquei deprimido quando liguei a televisão e vi
pessoas a manifestarem-se contra bancos espanhóis falidos. Estavam um pouco por
toda a Europa (também falida), tomando as ruas das cidades. Acampam, colam-se
às ruas e lá permanecem durante meses.
Que fique bem claro: não tenho nada contra o ar
livre. Não faltam, por este mundo fora, lugares bucólicos ou rockeiros a pedir
uma tenda. Aliás, para delícia dos marxistas, o sol e a clorofila são das
poucas coisas que, quando nascem, são para todos. Como tal, é bom que
usufruemos da natureza, pelo menos enquanto não taxarem em 150 euros o simples
acto de caminhar na Serra do Gerês. Ora,
sendo (ainda) livres para o fazer, o que farão tantos e tão talentosos jovens
válidos acampando nas Puertas del Sol, sob um calor irrespirável e um pungente
cheiro de churros ou fritos similares?
Introdução
À vista desarmada, o transeunte julgará que as
multidões indignadas gladiam-se pelas mais nobres causas. De facto, as
condições ambientais deviam dissuadir o cidadão menos convicto na sua presença
prolongada. Pelo menos foi o que eu pensei, até me imiscuir em manifestações
lisboetas, por mera curiosidade. Eis se não quando reparei que a atitude dos
indivíduos que formavam a mole humana: para além de ser mole, pouco ou nada
variava. Punho em riste, olhar de esguelha e canções e ladainhas cegamente
repetidas até à exaustão.
- Queremos um trabalho! Queremos um trabalho!
Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho!
Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho!
Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho!
Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego
sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim,
desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim,
desemprego não.
Não vou sequer questionar a cultura gráfica dos
cartazes. Alguém que estuda Design de Comunicação estará com mais à vontade
para o fazer. Aquilo que realmente me faz confusão é a falta de sentido de
oportunidade, de criatividade e de sex
appeal destas frases. E, pior de tudo, questiono se a maioria das frases
das manifestações terá algum alcance no futuro. Será que estes indignados vão
conseguir um emprego por se manifestarem?
Ter uma causa pela qual lutar demonstra bom senso (e
boa educação) da parte do manifestante. Mas, talvez por falta de bom senso,
ainda não consegui vislumbrar uma única causa pela qual o movimento dos
Indignados se bata. Não será de todo a precariedade laboral, porque essa não
conta. É que não basta ir para a rua pedir mordomias, se não exigirmos aquilo
que essas mordomias implicam. Caso o contrário, a manifestação arrisca-se
sériamente a transformar-se num queixume.
As
regras
-
Negar
um activismo à Homer Simpson: ir para a praça com um cartaz onde se escreve
apenas "Mayor sucks".
- No caso de o presidente da câmara não prestar
realmente, o manifestante deverá escreve-lo em letras bem maiúsculas, mas
também deve justificar essa afirmação, de preferência com factos reais e
realmente comprometedores.
- A difamação é muito bem vinda, desde que não
ofenda as origens da pessoa visada. Estamos fartos de meias-palavras perfeitamente
amorfas e vivemos num país onde a cultura de responsabilidade é bastante parca.
Se algum responsável público faz asneira, deverá ter a cabeça a prémio. Eu
apoiaria o seguinte cartaz:
"Mário Lino a tribunal, hipotecou o país por 50
anos"
- Não, nada de ladainhas. Ou, pelo menos, reduzi-las
ao mínimo. Montem antes um palco, instalem o microfone e dêm voz a quem quiser
fazer um discurso emocionado.
- As panelas oferecidas pelo major de Gondomar, os
almoços à borla nos comícios ou as canetas oferecidas nas campanhas eleitorais
podem ser tantadoras, mas devemos prescindir de quaisquer bujigangas que nos
apareçam pela frente. Para além de comprometerem a pureza dos ideais, fazer das
coisas à borla motivo de adesão é algo altamente foleiro.
- Alguma emoção e sensibilidade é importante. Uma sensibilidade
crítica. Há que respeitar certamente as opiniões dissonantes e ser ecológico:
gostar muito de flores, plantas, ciganos ou deputados...
- Marcar a diferença, numa atitude inconformista de
não identificação total com a multidão, para prevenir contágios ideológicos do
grande público. É que, como dizia Charles Chaplin, "amo o público, mas não
o admiro. Como indivíduos, sim. Mas, como multidão, não passa de um
monstro sem cabeça."
- Visão de futuro e de longo prazo. O século XX, com
as suas conquistas, não é o fim da linha e não nos faltam desafios
encantadores.
- Pôr de lado questões individuais, por mais
prementes que sejam. O manifestante até pode estar nas tintas para o Estado da
Nação, o bem comum ou o progresso da humanidade, pelo menos enquanto isso não
comprometer o seu conforto. Como tal, tem de haver um esforço para transformar
as causas individuais em grandes causas. Por exemplo, em vez de escrever um
cartaz difamando o patrão, deve-se questionar o patronato. Não é o patrão que
não presta, é o patronato. Proletários, unam-se!