A cada dia que passa, descubro algo que me transcende
ou que, simplesmente, surpreende. Será normal viver-se numa cidade onde as
caixas de correio são abertas, ao alcance de todos? Porque haverá, na
universidade, de uma linha de atendimento para denúncias de discriminação ou
favorecimento de alunos? E que achar das igrejas protestantes onde as mulheres
casadas também dão missas? Há realmente algo diferente nestas paragens.
Vi, há dias, uma obra clássica de Rosselini: Stromboli,
de 1949. Karin e António apaixonam-se num campo de refugiados da Grande Guerra.
Ela é lituana (encarnada pela bela Ingrid Bergman), enquanto ele, de tez
morena, é um pescador da ilha de Stromboli, no Mediterrâneo. Decidem casar-se,
após o que ele a leva para casa.
Chegando a Stromboli, o cenário é desolador. A terra é árida e escura e as casas, da cor da terra, estão quase todas ao abandono. Podia ser o Algarve recém-ardido ou uma aldeia remota de Trás-os-montes. As ruas labirínticas estão desertas e as casas, toscamente acabadas, não oferecem qualquer conforto. Karin permanece em silêncio, tal é o choque, após o que diz que não conseguirá viver naquele lugar. António responde que não têm alternativa.
À medida que o tempo avança, tudo fica mais sombrio.
Karin, deprimida pela solidão, conta com o padre da aldeia para conversar.
Queixa-se das condições de vida, ao que ele responde que a vida é assim mesmo,
cheia de contratempos, pelo que temos de aguentar, rezar e ter fé na salvação.
Em casa, as discussões de casal aumentam de dia para dia, sendo motivadas por
questões simples como a decoração da casa: António ofende-se sempre que Karin
esconde as imagens de santos e os retratos de família. Perante a vizinhança,
que só pensa em emigrar, a situação torna-se cada vez mais difícil, pois a
beleza nórdica de Karin atrai a atenção dos homens e as esposas reagem
asperamente, acusando-a de soberba, vaidade e arrogância.
Karin sofre e não tem dinheiro nem condições para sair da ilha. Tenta surpreender o marido indo visita-lo ao trabalho, mas fica horrorizada com o espectáculo sanguinário que é a pesca ao atum.
A narrativa é arrastada e lenta, bem ao ritmo da Itália
sulista. Existe porém uma questão pendente: quem irá ceder.
Conseguirá Karen fugir ou adaptar-se à ilha, vivendo o amor da sua vida? Trata-se de um filme intemporal que versa sobre as disparidades entre
a Europa do Norte e do Sul, divididas por aquele muro indelével que são os
Alpes, que a Eurovisão, os Fundos Comunitários e
os nossos Erasmus difícilmente farão desaparecer.