6.2.12

D'O Artista' II

Não quero tentar sequer igualar a crítica do filme que aqui foi feita. Apenas quero fazer alguns apontamentos deste belíssimo filme que está em exibição. É que, por momentos, fui transportado para uma sala totalmente diferente, sem as orgias sensitivas dos efeitos especiais do 3DMax e bandas sonoras estridentes, com o mesmo horror ao silêncio que pauta o quotidiano na actualidade. Durante este filme mudo conseguia ouvir o suster da respiração ou as gargalhadas do público, imaginar a entoação das falas ou abanar a cabeça com o ritmo contagiante de uma banda sonora que podia ter sido tocada pela banda do Benny Goodman.

Há vários filmes mudos que são recentes, como é o caso do Habla con Ella, do Almodôvar. Há também filmes que prestam homenagem à ditosa época do cinema mudo. Woody Allen não podia ficar de fora dessa leva nostálgica, com Rosa Purpura do Cairo - filme que retrata maravilhosamente o ambiente de uma sala de cinema por alturas da Grande Depressão.

Não me recordo, porém, de filmes mudos que prestem homenagem a toda uma época - ideia que, a ser inédita, tem mérito. Nesse aspecto, todo o filme é coerente. Diria mesmo que, apesar da expectativa inicial, conseguiu surpreender-me desde o começo, quando o George Valentin diz, através da frase entre aspas sobre fundo preto,

"I Cannot Speak".

Ao longo do filme, pomo-nos na pele dos actores que, como sabemos, acabaram a carreira quando o cinema mudou de paradigma, talvez não tanto pelo afonismo, mas porque a voz seria estridente ou mal colocada. Todavia, o enredo é algo ingénuo, não sendo típico do cinema mudo. Remete, acima de tudo, para filmes algo posteriores, como Citizen Kane (a cena em que o magnata lê, ao pequeno almoço e com a esposa, a sua reputação desfeita nas gordas do jornal) ou Sunset Boulevard (um dos meus filmes preferidos, do qual me lembrei pelas referências feitas ao amor puro, desapego ao dinheiro e à gratidão).

Não posso deixar de mencionar o desejado bigode do George Valentin, claramente inspirado no Zorro que nos aparece no filme mudo de 1920. A Bérenice Bejo fez um excelente papel, sendo a sua fisionomia mais que adequada para representar a beleza dos anos 20.

Resta-me então recomendar este filme para todas as idades; será um desperdício se a maioria do público continuar a ser composto maioritariamente por gente saudosista.