19.4.12

Isolamento I


CRIIIIIIIIIIIIIIIIICK


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tatatatatatatat …………………………………. WuiIuuuu 




………………………. Computer Connected ……………………



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**PLIM**

Ana do Ó diz:
Não acredito que te mudaste mesmo para o campo! A sério que não sou capaz de perceber porque haveria alguém de se mudar para o meio de nenhures. Pelo que me mostraste a casa nem sequer é perto da aldeia. E não há nada a que eu chame cidade num raio de 300km…
Augusto.Freitas diz:
Já te disse que preciso de sossego. Estava farto de viver aí. Demasiada gente. Demasiado barulho. Demasiada pressa. E depois aqui tenho net. Está bem que é mais primitiva que a roda, ligação telefónica, mas mantém-me ligado a tudo. Só não tenho a pressão de viver na cidade.
Ana do Ó diz:
Nem o contacto. Ou tencionas levar as pequenas campónias  da Merdaleja à ópera? É que, mesmo que quisesses e elas não ficassem a olhar para ti como suínos vias-te e desejavas-te para encontrar um teatro municipal, quanto mais uma ópera…
Augusto.Freitas diz:
Sabes bem raramente vou à ópera, prefiro o cinema. E não custa nada sacar os filmes que quero ver e vê-los na televisão. Vá, admite. Na verdade estás fula por nem a ti eu te convidar para vires passar um fim-de-semana. Mas já te disse, preciso da calma. E repito, não estamos isolados, podemos falar sempre que quisermos, aqui em cima tenho rede. E quero saber tudo o que se passar por aí…
Ana do Ó diz:
Muito engraçado… Mas agora tenho que ir, combinei com o Mário ir àquele restaurante novo, junto ao rio. Beijos
Augusto.Freitas diz:
Ok. Depois conta como foi. Hasta
Ana do Ó abandonou a conversação.    *Clique*
Augusto olhava para a paisagem enquanto fechava o chat. Através da janela da secretária via-se um estreito vale que um rio embelezava. Lá em baixo, junto às margens lânguidas, estava a pequena aldeia. Não teria mais de vinte habitantes e estava completamente isolada do frenesi da vida contemporânea.  Augusto gostava do campo que o rodeava, todos os dias observava as pessoas da aldeia nas suas vidas pacatas, conversando e trabalhando, mas não se identificava particularmente com elas. Ele gostava das comodidades das grandes metrópoles, do florescimento do acaso e da oferta de escolhas. Mas era também um homem recatado e, de um estranho modo, bucólico. Ultimamente a vida na grande cidade tornava-se insuportável, muito movimento, muita acção, demasiada conversa, demasiada impulsividade. Quando fugira do burburinho da cidade não tencionava desligar-se desse mundo, antes procurava uma nova forma de se relacionar com ele. Uma forma em que a cultura de uma grande metrópole estivesse pressente, nem no entanto ser forçado a agir e falar sem pensar. Felizmente a internet, mesmo uma fraca ligação telefónica, permitia isso mesmo. Proximidade apesar da distância física, o melhor de dois mundos.
Quando arranjara aquele chalé tivera o cuidado de escolher um que não ficasse demasiado próximo de nenhuma povoação, para não criar os maus hábitos da província, mas também que não fosse tão distante que se sentisse só no meio do campo. A localização daquele era perfeita! No cume do monte tinha uma vista soberba sobre as redondezas e a aldeia mais próxima encontrava-se longe o suficiente ara que as suas casas se misturassem com a paisagem. Os habitantes eram para ele como indígenas de um mundo esquecido, isolados na sua tacanhez. Não sentia qualquer afinidade com eles. Eram pessoas que não liam Keates nem ouviam Debussy, para eles o símbolo máximo da cultura eram os programas da tarde que passavam na televisão. Bergman não conheciam, teatro e revista era para eles uma e a mesma coisa, e achavam que ópera era o que berravam nos campos. Numa palavra: provincianos! A sua relação com eles resumia-se à observação dos seus hábitos, do cimo do monte, e as compras pontuais que tinha que fazer porque gostava de agricultura biológica.