18.5.12

Manual de etiqueta em manifestações

Prefácio

Fiquei deprimido quando liguei a televisão e vi pessoas a manifestarem-se contra bancos espanhóis falidos. Estavam um pouco por toda a Europa (também falida), tomando as ruas das cidades. Acampam, colam-se às ruas e lá permanecem durante meses.

Que fique bem claro: não tenho nada contra o ar livre. Não faltam, por este mundo fora, lugares bucólicos ou rockeiros a pedir uma tenda. Aliás, para delícia dos marxistas, o sol e a clorofila são das poucas coisas que, quando nascem, são para todos. Como tal, é bom que usufruemos da natureza, pelo menos enquanto não taxarem em 150 euros o simples acto de  caminhar na Serra do Gerês. Ora, sendo (ainda) livres para o fazer, o que farão tantos e tão talentosos jovens válidos acampando nas Puertas del Sol, sob um calor irrespirável e um pungente cheiro de churros ou fritos similares?


Introdução

À vista desarmada, o transeunte julgará que as multidões indignadas gladiam-se pelas mais nobres causas. De facto, as condições ambientais deviam dissuadir o cidadão menos convicto na sua presença prolongada. Pelo menos foi o que eu pensei, até me imiscuir em manifestações lisboetas, por mera curiosidade. Eis se não quando reparei que a atitude dos indivíduos que formavam a mole humana: para além de ser mole, pouco ou nada variava. Punho em riste, olhar de esguelha e canções e ladainhas cegamente repetidas até à exaustão.

- Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não. Queremos um trabalho! Queremos um trabalho! Emprego sim, desemprego não.

Não vou sequer questionar a cultura gráfica dos cartazes. Alguém que estuda Design de Comunicação estará com mais à vontade para o fazer. Aquilo que realmente me faz confusão é a falta de sentido de oportunidade, de criatividade e de sex appeal destas frases. E, pior de tudo, questiono se a maioria das frases das manifestações terá algum alcance no futuro. Será que estes indignados vão conseguir um emprego por se manifestarem?

Ter uma causa pela qual lutar demonstra bom senso (e boa educação) da parte do manifestante. Mas, talvez por falta de bom senso, ainda não consegui vislumbrar uma única causa pela qual o movimento dos Indignados se bata. Não será de todo a precariedade laboral, porque essa não conta. É que não basta ir para a rua pedir mordomias, se não exigirmos aquilo que essas mordomias implicam. Caso o contrário, a manifestação arrisca-se sériamente a transformar-se num queixume.


As regras

- Negar um activismo à Homer Simpson: ir para a praça com um cartaz onde se escreve apenas "Mayor sucks".

- No caso de o presidente da câmara não prestar realmente, o manifestante deverá escreve-lo em letras bem maiúsculas, mas também deve justificar essa afirmação, de preferência com factos reais e realmente comprometedores.

- A difamação é muito bem vinda, desde que não ofenda as origens da pessoa visada. Estamos fartos de meias-palavras perfeitamente amorfas e vivemos num país onde a cultura de responsabilidade é bastante parca. Se algum responsável público faz asneira, deverá ter a cabeça a prémio. Eu apoiaria o seguinte cartaz:

"Mário Lino a tribunal, hipotecou o país por 50 anos"

- Não, nada de ladainhas. Ou, pelo menos, reduzi-las ao mínimo. Montem antes um palco, instalem o microfone e dêm voz a quem quiser fazer um discurso emocionado.

- As panelas oferecidas pelo major de Gondomar, os almoços à borla nos comícios ou as canetas oferecidas nas campanhas eleitorais podem ser tantadoras, mas devemos prescindir de quaisquer bujigangas que nos apareçam pela frente. Para além de comprometerem a pureza dos ideais, fazer das coisas à borla motivo de adesão é algo altamente foleiro.

- Alguma emoção e sensibilidade é importante. Uma sensibilidade crítica. Há que respeitar certamente as opiniões dissonantes e ser ecológico: gostar muito de flores, plantas, ciganos ou deputados...

- Marcar a diferença, numa atitude inconformista de não identificação total com a multidão, para prevenir contágios ideológicos do grande público. É que, como dizia Charles Chaplin, "amo o público, mas não o admiro. Como indivíduos, sim. Mas, como multidão, não passa de um monstro sem cabeça."

- Visão de futuro e de longo prazo. O século XX, com as suas conquistas, não é o fim da linha e não nos faltam desafios encantadores.

- Pôr de lado questões individuais, por mais prementes que sejam. O manifestante até pode estar nas tintas para o Estado da Nação, o bem comum ou o progresso da humanidade, pelo menos enquanto isso não comprometer o seu conforto. Como tal, tem de haver um esforço para transformar as causas individuais em grandes causas. Por exemplo, em vez de escrever um cartaz difamando o patrão, deve-se questionar o patronato. Não é o patrão que não presta, é o patronato. Proletários, unam-se!