18.2.12

Carne Vale

É esta a expressão latina por trás da onda de poluição. Entre a purpurina que entope a sarjeta, as serpentinas que enforcam pardais ou as latas amigas do ozono, escolher é difícil! Correm tornados de porcaria nas ruas; engrossa o mar do lixo da Califórnia e ninguém leva a mal. Nem mesmo o senhor deputado senador Al Gore, que por estas alturas deve estar à procura do seu disfarce conveniente. E se há verdades que podem ferir as susceptibilidades ao ponto de serem consideradas inconvenientes, uma delas é a dificuldade de um ser minimamente humano deixar comer carne.

A questão é particularmente delicada; se fores vegan, sikh ou fizeres as compras no Martim Moniz, sugiro que não leias as palavras que se seguem.

Aqui vão as verdades alegadamente inconvenientes, aquelas que qualquer apreciador de lombo da vazia apreciará. É que, segundo a tradição (judaica, claro está), é no carnaval que podemos comer carne, talvez um dos únicos prazeres carnais dos tempos que se seguem. É pelo menos essa a mensagem que um primeiro-ministro devia compreender em tempos de crise. Nem se imagina o que o talhante de Benfica lucraria se houvesse carnaval e o povinho tivesse suficientemente capitalizado para a compra de carne! Não me refiro a entranhas ou miudezas, por renderem pouco. Quem é que quer orelha de porco, hein? Essas partes devem ir para a reciclaije ou para a ração dos bichos. Salsicha, vulgo salchicha, também é coisa de pobres.

A carne tem de ser vermelha, exuberante e importada. Bem embalada no celofane, tem de vir do Brasil (com o paladar das queimadas devoradoras da Amazónia), ter os nervos finos e ramificados e uma cor intensa. Nem que seja à custa das lâmpadas avermelhadas do Intermarché, esse grande sítio dos frescos. O povinho quer alcatra; já nem se contenta com o bitoque a sair da borda do prato. Um bom bife tem de ser na pedra, de mostarda, pimenta, café ou mesmo à potuguesa. Ninguém pede Kobe, basta algo que possa ser considerado, segu(i)ndo os padrões dos antigos anúncios do Pingo Doce, "bem ao gosto português".

A finesse leva-nos a escolher vaca ou carne mascarada. É esse o carnaval que nos interessa.