26.2.12

da Simplicidade


Há uns dias, durante o meu lanche aconteceu-me apanhar um programa no canal Odisseia que me pareceu interessante. Não é o meu tipo de programa predilecto, gosto daqueles que têm magníficos planos da vida animal, música bem escolhida e um narrador com voz bem colocada, mas como não tinha muito apetite nem tempo fiquei a ver. Já tinha apanhado um programa no estilo, embora nunca tenha visto um completo. Trata-se de uma série de estudos antropológicos feitos por uma mulher ocidental que durante um mês vai viver para tribos isoladas em África. É bastante fantasioso uma vez que a antropóloga, suponho que seja essa a sua profissão, insiste em tingir a pele do tom dos autóctones mas sem nunca alterar a tinta de cabelo, de loiro desbotado para negro. É ideal para lanches de dez minutos.
Desta vez apanhei um trecho em que ela comentava o sentimento de comunidade e união partilhado pelas mulheres da tribo africana em estudo. Deduzi que fossem poligâmicos e que estas mulheres fossem todas casadas com o mesmo homem. A narradora falava de como esta situação inicialmente a chocara, tanto mais que mal tinha chegado lhe quiseram arranjar marido, mas que agora compreendia melhor. Parece que mal as raparigas se tornam núbeis são casadas e rapidamente têm muitos filhos para criar. A sua vida gira em torno da manutenção da casa, da cozinha e dos filhos, ajudando-se umas às outras sem brigas ou disputas. Este facto admirou muito a narradora até ter compreendido que, de facto, elas não se sentiam vazias nem tinham qualquer tipo de necessidade de afirmação. Ela comentava que tinha entendido que estas mulheres, que vivem em total comunidade e cujas necessidades não vão além daquelas que são “naturais”, sabiam que a harmonia do seu dia-a-dia dependia dumas e doutras e, por isso, não perturbavam a ordem com futilidades.
Simultaneamente aparecia uma mulher, digo-o como expressão porque julgo que a rapariga não teria mais do que dezassete anos, ela comentava que não compreendia porque é que a Narradora, sendo uma mulher florida e com idade, não era casada e não tinha filhos. Esta mulher considerava a ocidental infeliz por estar demasiado preocupada com as acções. Explicava que ela queria perceber todos os costumes e acções da tribo e replicá-los na perfeição mas que não era capaz de sentir como elas. Sendo a indígena uma mulher de acção, logo ali explicou o plano que congeminara para tentar explicar isto à narradora: uma prima estava prestes a dar à luz, quando a criança nascesse levariam a ocidental a visitá-la.
Dito a feito, ainda vi como a ocidental ficou embasbacada com o recém-nascido e perguntava ao orgulhoso pai de oitenta e quatro anos se achava o filho mais parecido com ele ou com a mulher. No dia seguinte a Narradora estava alterada e dizia que aquela visita mudara a sua perspectiva de ver as coisas. Compreendera finalmente que aquelas mulheres eram felizes por estarem completas, por não preencherem as vidas delas com preocupações artificiais e necessidades fúteis. Tomara, inclusive, uma resolução: ia ter filhos! Aparentemente a sua irmã estava grávida, algures num país dito civilizado, e a narradora estava convencida de que seria muito bom para elas se pudessem criar os filhos juntas e criar uma comunidade como aquela que ela via ali, algures em África.
Não continuei a ver o programa, o meu lanche tinha acabado. Mas fiquei a pensar sobre isto. Não estaremos nós, os filhos da civilização ocidental, livres, iguais, ricos, a enganarmo-nos para preencher o vazio que estes adjectivos causam? Seria de supor que a igualdade e livre acesso aos bens de consumo, que a liberdade de acção e uma educação cuidada deveria fez de nós seres mais felizes e completos do que aqueles povos que em tempos escravizámos, por nos serem inferiores? Será que estes direitos talvez nos sufoquem mais do que impelem e, por eles, tenhamos necessidades que não são as verdadeiras Necessidades?
Fiquei curioso…